Portuguesa naturalizada brasileira, professora se dedicou a pensar a economia do Brasil. Entrevista ao programa 'Roda Viva' em 1995 repercute até hoje nas redes sociais.
Uma das mais importantes economistas do Brasil, Maria da Conceição Tavares morreu aos 94 anos, neste sábado (8), em Nova Friburgo, na região serrana do Rio de Janeiro.
Nascida em Aveiro, em Portugal, ela se naturalizou brasileira e dedicou-se a pensar a economia do Brasil. Com gestos firmes, vozeirão, sotaque português e frases contudentes, influenciou gerações de economistas e políticos. Nas últimas décadas, virou figura pop nas redes sociais.
Trechos de entrevistas suas circulam no Twitter e no TikTok. Na mais famosa delas, ao programa "Roda Viva" em 1995, discute e discorda dos jornalistas sobre conceitos da economia.
Maria da Conceição foi deputada federal entre os anos de 1995 e 1999, pelo PT. Foi também professora-titular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e professora-emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Tavares formou nomes como o ex-ministro José Serra e a ex-presidente Dilma Roussef, e sempre defendeu que o Estado fosse responsável pelo desenvolvimento econômico do país.
Tive dezenas de alunos, dos quais a metade se corrompeu, outra parte desistiu, cansou, e umas poucas dezenas continuaram lutando, estudando e batalhando
— Maria da Conceição Tavares
A professora ficou conhecida como defensora fervorosa do Plano Cruzado e do combate à inflação. Nos anos 1980, chorou em frente às câmeras de TV na defesa do Plano Cruzado, em um dos momentos mais marcantes daquela época de euforia que o congelamento de preços trouxe ao povo brasileiro.
Em 1994, elegeu-se deputada federal e foi uma das vozes mais críticas ao Plano Real. Em 1995, no primeiro ano de mandato de Fernando Henrique Cardoso, Tavares deu uma entrevista para o programa "Roda Viva", da TV Cultura, que repercute até hoje nas redes sociais, em que analisa a economia brasileira:
Uma economia que diz que precisa primeiro estabilizar, depois crescer, depois distribuir, é uma falácia, e tem sido uma falácia. Nem estabiliza, cresce aos solavancos e não distribui. E esta é a história da economia brasileira, desde a pós guerra
— Maria da Conceição Tavares
A economista Maria da Conceição Tavares em entrevista ao programa Roda Viva, em 1995. — Foto: Reprodução/TV Cultura
A carreira de Conceição foi marcada por passagens no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), onde foi homenageada em março deste ano, e pelo Grupo Executivo da Indústria Mecânica Pesada (Geimape).
Maria da Conceição chegou a lecionar no Chile e no México. Foi presa pela ditadura em novembro de 1974 e solta poucos dias depois, por pressão de integrantes do governo, como o então ministro Mario Henrique Simonsen.
Escreveu diversos artigos e livros, que trouxeram análises profundas sobre a economia brasileira e suas transformações.
Virou referência do pensamento desenvolvimentista no Brasil e inspirou até personagem na Escolinha do Professor Raimundo, programa da TV Globo: Maria da Recessão Colares, criada pela humorista Nádia Maria, que morreu no ano 2000.
Nádia Maria como Maria da Recessão Colares, personagem inspirada na economista Maria da Conceição Tavares' — Foto: Reprodução
Fuga de ditadura portuguesa
Maria da Conceição Tavares se formou em Matemática pela Universidade de Lisboa em 1953. No ano seguinte, migrou para o Brasil para escapar da ditadura portuguesa de Salazar.
No Brasil, cursou Economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde se graduou em 1960.
Segundo a Universidade de São Paulo, o ensaio “Auge e declínio do processo de substituição de importações”, de 1972, foi um "marco no estudo do processo de industrialização do Brasil e tornou-se clássico na literatura especializada".
No Brasil, enfrentou mais uma vez a ditadura, desta vez a brasileira. A militância em defesa da democracia a levou ao exílio no Chile.
Vida política
Quando retornou ao país, militou no Movimento Democrático Brasileiro, antecessor do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), mas foi pelo Partido dos Trabalhadores (PT) que se elegeu deputada federal em 1994.
Após o fim do mandato, em 1999, se tornou consultora para assuntos econômicos do partido.
Em 2011, a então presidente Dilma Rousseff (PT) entregou o Prêmio Almirante Álvaro Alberto para Ciência e Tecnologia a Maria da Conceição, a mais alta condecoração na área. A ex-presidente havia sido aluna de mestrado da economista na Unicamp na década de 80.
A presidente Dilma Rousseff entregou nesta quinta-feira (17) o Prêmio Almirante Álvaro Alberto para Ciência e Tecnologia de 2011 para a professora de economia, escritora e consultora portuguesa Maria da Conceição de Almeida Tavares, que é naturalizada bra —
Foto: Roberto Stuckert Filho / Presidência
Nos últimos anos, a economista viralizou nas redes sociais com trechos de entrevistas e aulas.
Um dos trechos compartilhado por milhares de pessoas é uma análise sobre o crescimento da economia sem preocupação social:
"A economia que não se preocupa com justiça social é uma economia que condena os povos. É isso que está ocorrendo no mundo inteiro, uma brutal concentração de renda entre riqueza, o desemprego e a miséria", disse a economista.
A economista Maria da Conceição Tavares era famosa pelo vozeirão e por suas frases contundentes
Confira suas obras publicadas:
Da substituição de importações ao capitalismo financeiro: ensaios sobre economia brasileira. Rio de Janeiro: Zahar, 1983.
A economia política da crise: problemas e impasses da política econômica brasileira. Rio de Janeiro: Vozes, 1984.
Uma reflexão sobre a natureza da inflação contemporânea. Rio de Janeiro: Instituto de Economia Política, 1984.
O grande salto para o caos: o Plano Cruzado em posfácio. Rio de Janeiro: Zahar, 1986.
Problemas de industrialización avanzada en capitalismos tardios y periféricos. Rio de Janeiro: Instituto de Economia Industrial, 1986.
Japão: um caso exemplar de capitalismo organizado. Brasília: IPEA, 1991.
(Des)Ajuste global e modernização conservadora. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993.
As políticas de ajuste no Brasil: os limites da resistência. São Paulo: IESP, 1993.
O Estado que nós queremos. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1993.
Em defesa do interesse nacional: desinformação e alienação do patrimônio público. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994.
Lições contemporâneas de uma economia popular. Rio de Janeiro: Markgraph, 1994.
Os excluídos: debate entre os autores. Petrópolis: Vozes, 1995. Coautor: Luciano Mendes de Almeida.
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