professores e diretores de colégios públicos do país afirmam que tentam ajudar as famílias em situação de vulnerabilidade. 'É tudo bem escondidão', diz docente.
“A gente faz o que não pode fazer: chama as crianças fora do horário e dá merenda para elas levarem para casa. Às vezes, a própria família vem aqui pedir comida, como uma mãe que me disse: ‘o desespero me fez perder a vergonha — estou com fome’.”
O relato acima é de Maria*, diretora de uma escola pública em São Paulo.
Ela é um dos exemplos de profissionais da educação que, em nome da razão humanitária, arriscam burlar as regras para ajudar pais de alunos em situação de vulnerabilidade.
Forma-se uma rede de apoio: merendeiras, professores, coordenadores e diretores pedagógicos detectam os casos mais críticos de famílias com insegurança alimentar e traçam uma estratégia de auxílio.
“Se alguém da cozinha vê uma criança pegando muita fruta e escondendo na mochila, a gente já sabe o que está acontecendo. No fim do dia, chama os pais e dá um pouco de comida”, diz Maria.
“Uma vez, um menino pegou tanta bolacha e guardou [na bolsa], que tivemos de chamá-lo na saída, discretamente. Explicamos que ele podia levar tudo para casa, mas que, quando precisasse, poderia pedir. Ele saiu pulando de alegria. Depois, montamos uma campanha de arrecadação”, conta.
Segundo especialistas ouvidos pelo g1, permitir que as merendas sejam consumidas pelas famílias é, em tese, uma prática irregular, porque o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) é voltado exclusivamente à nutrição dos estudantes. Caso essa ajuda seja descoberta, a Secretaria de Educação, em teoria, pode ser responsabilizada pelos órgãos de controle por desviar recursos públicos para algo que não está entre as finalidades do PNAE.
“É claro que é complicado: os profissionais ouvem, em uma roda de conversa na sala de aula, que alguém está passando necessidade em casa, e aí querem resolver. Mas a merenda precisa ser consumida só pelos alunos matriculados, não existe autorização para os pais consumirem”, explica Marcia Simões, presidente do Conselho de Alimentação Escolar de São Paulo. “É uma verba que vem da Educação, para que as crianças se alimentem e tenham condição de aprender.”
Gabriel Corrêa, gerente de políticas educacionais da ONG Todos Pela Educação, também reforça que a distribuição de merenda para os familiares não é permitida, mas faz uma ressalva.
“É uma questão humanitária. Os educadores tentam achar uma solução temporária e imediata para apoiar as crianças. Quem trabalha na educação sabe: aluno não aprende nada de barriga vazia.”
O que deveria acontecer, segundo Simões e Corrêa, é uma articulação maior das redes de ensino com o setor de assistência social (leia mais abaixo), além da ampla divulgação de um protocolo a ser seguido pelos professores quando detectarem casos de insegurança alimentar.
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